A tal da doença ruim – Câncer de Mama
Ontem eu saí da academia e estava me dirigindo para o
estacionamento quando uma senhorinha me abordou. Eu achei que ela iria pedir
dinheiro para tomar um ônibus ou coisa parecida, mas ela me pediu para leva-la
para sua casa. Como ela andava com uma certa dificuldade, topei, mesmo me
tirando totalmente de minha rota traçada para o dia.
Enquanto eu dirigia ela começou a me contar uma história de
vida triste, incluindo um acidente o qual tinha limitado o movimento de seu
braço direito. Daí me caiu a ficha e percebi que ela não tinha os parafusos
muito ajustados na cabeça, mas não era alguém perigosa, só uma pessoa solitária
daquelas que valorizam tragédias pessoais, que transformam unha lascada em
fratura de dedo e por aí vai.
Em determinado momento ela me perguntou o que era “aquele
pininho na direção do meu carro”. Demorei uma pouco para entender que ela
falava da manopla. Expliquei para ela que meu carro é adaptado por eu ser
deficiente. E veio a bomba: “Você tem problema nas pernas?” – Tive que segurar
para não rir e contei que eu tinha tido câncer de mama. Pra que?!? A mulher deu
um pulo e disse: “Não fale essa palavra, essa palavra não presta. Você teve a
doença ruim”.
Será que existe alguma doença que seja boa?
Sim eu tive a doença ruim e vou contar uma coisa, nem tudo
foram lágrimas e sofrimento. Tiveram muitas coisas engraçadas, ou ao menos
estranhas, que aconteceram no decorrer da doença e tratamento.
Quando falam que você está com câncer, demora um bocado para
você entender o que está acontecendo com você e a sua volta. Vira uma correria
de médicos, família e amigos querendo ajudar.
Me senti caindo no poço da Alice,
sem saber bem onde aquilo ia dar, mas nas paredes apareciam flashes que eu
procurava captar sem entender muito.
Deixa eu explicar... você não deve estar entendendo.
No dia que o médico confirmou que eu estava com câncer de
mama e marcou a cirurgia, liguei para minha filha, que mora em outra cidade, e
falei que tudo estava encaminhado, que ela não precisava se preocupar. Pedi que
ela não falasse nada para o pai dela. Qual foi a primeira coisa que ela fez?
Falou para o pai dela! Quando voltei para casa depois da cirurgia, advinha quem
estava lá com um vaso de orquídeas nas mãos e a namorada ao lado? O meu ex-marido.
Me dei conta que, meu marido e meu ex-marido, que até então
se aturavam, estavam agindo como se fossem os melhores amigos desde de
criancinhas! Aqueles dois sorridentes e solícitos um com o outro me meteram
medo e me fizeram pensar: “Estou morta! O caso é mais grave do que estão me
contando”.
A namorada do meu ex-marido parecia ser um doce de pessoa,
ou será que ela só estava agindo daquele jeito por que eu era um pré-cadáver?
Com o tempo descobri que ela é um doce mesmo e é minha amiga até hoje, mas na
época tanta bondade me apavorou!
As coisas estranhas não pararam por aí. Lá veio o meu marido
com um bolo de banana, que eu adoro, e que tinha sido feito especialmente para
mim pela ex-mulher dele. A ex-mulher do meu marido era minha amiga bem antes de
eu conhece-lo, e eles eram separados há muitos anos, então nunca tivemos rixa
alguma, mas também ela nunca tinha me dado um bolo de banana! Seria aquela a
última refeição de uma condenada?
Daí veio a ex-sogra, ex-sogro, ex-cunhada e toda ex-família
fez questão de ser fazer família de novo. E eu preocupada, não com o câncer em
si, mas com aquilo que aquela gente estava sentindo e fazendo e não me dizendo.
Eu tenho uma amiga que anda bem afastada agora, mas na época
ela era adoravelmente louca. Aquele tipo que se apaixona várias vezes na semana
e às vezes mais de uma vez ao dia. Tinha uma sensualidade exacerbada que a
fazia ver como possível parceiro sexual o frentista do posto de gasolina onde
ela abastecia o carro ou o empacotador do supermercado.
Todo mundo comentava que éramos muito diferentes, pois sou
taurina, muito pé no chão, e ela toda avoada e apaixonada, mas adoro pessoas
diferentes de mim. Gente igual a mim não me acrescenta nada de novo, não é
mesmo? Ela me fazia rir muito com suas histórias sobre suas loucuras sexuais.
Quando fiquei doente ela apareceu em casa, e eu achei que
seria a visita que iria salvar o meu dia de enfermeiras e curativos chatos, que
iríamos dar boas risadas, pois ela sempre tinha uma história para contar. Daí
ela entrou na sala com uma blusinha abotoada até o pescoço e sentou cruzando as
pernas nos tornozelos! Pronto, danou, ela estava visitando uma mulher que
estava com a doença ruim, e ninguém vai contar uma história louca e engraçada
para quem tem a doença ruim. Fiquei passada: ela disse que iria rezar para mim!
Eu não precisava de reza eu precisava dar uma boa gargalhada e achei que isso
viria dela!
Hoje, 7 anos depois do turbilhão e de chegar ao fundo do
poço da Alice, abrir várias portas erradas, entrei para a turma das
sobreviventes, mais do que isto, resolvi virar uma velhinha prodígio, como a
Bruna Lombardi e outras que recusam a envelhecer.
Faço parte das susanitas. Não fui eu que inventei este
termo. Susanitas vem da Susana Viera, são mulheres que depois dos enta começam
a malhar, esticar aqui e ali, correr contra o tempo com uma fúria louca, o que
acaba por tornar gente como a gente, interessante, não por causa sermos
conservadas e aparentarmos menos idade do que realmente temos, mas sim pela
fúria que temos de viver.
Se não fosse a doença ruim, talvez eu fosse uma senhora nos
devidos padrões que a sociedade espera que as senhoras sejam, mas não deu, a
doença ruim não me levou apenas um seio, mas também uma boa parte do meu juízo
e me moldou como sou hoje. Melhor ou pior eu não sei, mas acho que decepcionei
algumas pessoas quando resolvi não escolher a cor do forro do caixão.
Fotos: @vckybe, Elena Kalis
Great!
ResponderExcluirHave a good day Betty
Essa doença assusta e só quem a teve ou na família a enfrenta sabe. Aqui ainda estamos naquelas fases de exames de controle trimestrais...A cada vez, um sufoco.Mas vivemos como se nada fosse, pois nos outros dias, a vida é normal e assim temos que agir! beijos, tudo de bom e gostei de te ler e ver a garra da Suzanita,rs...chica
ResponderExcluirEu já estava no controle anual, mas voltei para o trimestral, pois estou com uma alteração na área da garganta e pescoço, mas não me preocupo, pois já se vão 8 anos nesta vida... para mim é rotina.
ExcluirVc se supera a cada post.
ResponderExcluirMas sua vida é uma novela (do Manuel Carlos),hein!Uma montanha russa daquelas.Mas como já disse Nietzsche:"O que não me mata,me fortalece!"
ResponderExcluirBjs!Betty!
Embora a minha não seja lá muito diferente,vivo a base remédios,a cada 3 meses vou a médicos...mas vou indo.
ResponderExcluirOi Paulo,
ExcluirCadê o blog, home?!? O que vc fez com ele? Tem dias que está on line, tem dias que some...
Bjs
Não sei o que aconteceu,mas só me dei conta ontem, onde se comenta,sumiu,mas voltou.
ExcluirBjs!,
Eu não esperava um relato diferente deste. Minha amiga que o blog me trouxe. Não nos falamos todos os dias, mas minha mãe teve a mesma doença ruim que a sua.O dela esta estável, mas a gente sempre fica apreensivo né?
ResponderExcluirVc é uma mulher linda, guerreira, ativa e acima de tudo simples. Te admiro por tudo que vc superou, por tudo que vc ainda supera, e por ter pessoas tão especiais na sua vida!
O CA separa as pessoas que valem à pena ter perto da gente, daquelas que não valem. Eu não sabia que sua mãe tb tinha tido a tal doença ruim! Amo vc. Bjs
ExcluirOi Betty, meu pai e meu irmão faleceram dessa doença ruim que ninguém gosta de falar o nome! Nessas horas que a gente descobre quem são realmente as pessoas que nos cercam!
ResponderExcluirVocê é guerreira e exemplo para muitos! Deus te abençoe sempre!
Bjs! ♥♥
Dá até medo de pensar na doença. Que história!
ResponderExcluirwww.achatadebatom.com
Olá, Betty!
ResponderExcluirNinguém gosta de falar dessa doença mas infelizmente ela ataca muita gente e graças a Deus
você saiu dessa, está livre e cheia de vida.
Há menos de 1 mês faleceu uma prima do meu esposo com essa doença na mama, ela tinha 47 anos e tem outra na mesma situação. Essa doença causa pânico!
Gostei da sua atitude com a senhora, eu não sei se eu teria a mesma coragem de dar carona,
o mundo anda tão perigoso e cheio de armadilhas, infelizmente os justos pagam pelos pecadores.
Beijos ♥
Admiro bastante a sua garra, sua força... Vc é uma guerreira e uma vencedora, Betty;)
ResponderExcluirBjs!
Oi Betty... muito boa esta postagem, estamos passando uma situação na Família pois minha cunhada acabou de operar, mas ela é uma pessoa tão positiva, tão alegre, que já demos boas gargalhadas com ela e suas histórias... Beijos e que você continue assim "louquinha", rsrsrs
ResponderExcluiroi Betty, eu não sei, mas parece que estas coisas só acontecem com vc. eu gostei do termo susananitas e não acho que você é uma velhinha.
ResponderExcluirOutro dia, eu estava saindo de uma clínica e uma senhora que passava pela rua me perguntou se eu estava indo para o centro da cidade; eu, lerda de pensamento, disse que não, que meu caminho era outro, no sentido contrário, e fui embora. No meio do caminho pra casa, me bateu um remorso imenso... putz, não me custava nada ter dado uma carona para aquela velhinha (ela era velha, não você), talvez eu teria uma história pra contar (kkk)
Bjk
Saúde Betty. Muita força.
ResponderExcluirOi Betty, acho que a maioria das pessoas não sabe mesmo lidar com essa notícia, quando a doença atinge um ente ou uma pessoa querida. Ficamos todos desorientados. Adorei ler sobre a sua experiência e sobre como você soube lidar com esse trem desgovernado que é o câncer. Um beijo querida! :*
ResponderExcluirUau Betty!!! Que relato!
ResponderExcluirVocê é uma mulher de fibra.
Bjs
P.S.:Só não entendo por que chamam o câncer de doença ruim. Existe doença boa?
Betty, como me emocionei ao ler o seu texto. Um exemplo de coragem e uma excelente forma de dar a volta a um assunto tão delicado! Realmente, nessas alturas, parece que o chão cai, mas encarar tudo com otimismo dá imensa força para se contornarem todos os obstáculos e ganhar ainda mais amor à vida! Continue sempre assim. A Betty é um exemplo! Beijinhos
ResponderExcluirBoa noite, colega Betty!
ResponderExcluirLindo relato, és uma guerreira moça. Que bom que a vida te brindou com tanta garra e coragem para driblar esta doença tão complexa. Infelizmente perdi minha Mãe para o câncer (no caso dela, Leucemia) mas a vida continua. Parabéns pelo exemplo tão incrível de perseverança.
Ei, moça!
Tem postagem novinha em "GAM Dolls (2)". Passe por lá e confira.
Ficarei feliz com tua visitinha e comentário, sempre tão gentis.
Tenha um fim de semana supimpa.
Abraço pra você! :)
Muito bom, Betty. Difícil encontrar alguém com a doença ruim que trate com tanto bom humor e fair play de uma situação que a sociedade torna tão incômoda. O pior é ter que dar aos outros tantas explicações sobre as razões de determinadas coisas estarem acontecendo com a gente. Temos que dar conta das razões e causas do imponderável. Mas você se saiu muito bem e depois se superou melhor que a encomenda. Aproveito para lhe recomendar um livro, se é que ainda não o leu: "A doença como metáfora", de Susan Sontag. Costumava usá-lo em minhas aulas de Antropologia da Saúde.
ResponderExcluirBeijos, abraços e tudo de bom.
Eu li o livro da susan sontag e amei. foi meu livro de cabeceira durante a doença, só não sei o que fiz com ele, pois tentei encontrá-lo, mas não sei onde coloquei, mas acho que meu escritório é uma sucursal do Triângulo das Bermudas, muitas coisas desaparecem por aqui.
ExcluirBjs